A Questão Palestina
por Marco Antonio H. de Menezes
Desde
minha infância eu convivi com muitas culturas, porque minha mãe foi trabalhar e
morar na casa de uma família que tinha ligação sanguínea com italianos. Uma
parte desta família era casada com libaneses que se misturaram com peruanos (e
acho que com outros povos da América do Sul). E a minha madrinha, que era uma
destas pessoas desta família, cantou por décadas num coral da comunidade
israelita. Fora os muitos amigos da família que eram espanhóis, portugueses e
de outras nacionalidades. Era um entra e sai de muitas pessoas de várias partes
do mundo. Fora isto, eu escutava música clássica. E não estou falando nada
disto como um esnobe, até porque, quem me conhece, sabe que eu não sou esnobe.
Mas considero muito importante tudo o que vi, tudo o que pude assimilar ao
longo de minha vida, porque eu tenho algo dentro de mim que observa, que é
curioso e que gosta de aprender e de apreender.
Do coral
israelita eu tenho muitas lembranças, porque a música, as palavras e as pessoas,
que conheci, até hoje ainda fazem parte da minha mente. Lá cantavam pessoas de
diversas idades (e não só judeus) e elas passavam o ano inteiro ensaiando
principalmente para a apresentação no Teatro Municipal do Rio de Janeiro (TMRJ).
Quando eu tive a oportunidade de ir às apresentações no TMRJ, eu via o teatro superlotar
com toda a comunidade israelita. Eram pessoas de várias classes que faziam
questão de prestigiar o coral e as lembranças que ele evocava. Algumas das
pessoas que cantavam no coral ainda traziam em seus braços as marcas do
holocausto (eu nunca vi, a minha madrinha e seu filho, a quem eu chamava de
irmão, que me contaram). Mas eles estavam longe de serem pessoas tristes. Eram
pessoas muito alegres, simpáticas, que faziam da música um momento delicioso.
Por ali passaram maestros como Henrique Morelembaum e Isaac Karabtchevsky, e eles
permitiam que as pessoas cantassem peças de grandes compositores de música
erudita internacional e nacional.
O meu
contato com a cultura judaica e a cultura do Oriente Médio em geral sempre foi
muito rico e sempre me fez sonhar com o dia em que poderia conhecer seus países
e, principalmente, seus mercados (eu sou fissurado por aquilo!). E ao longo da
vida eu sempre ouvi dizer que tanto as pessoas da cultura judaica quanto as do Oriente
Médio que viviam no Brasil eram muito fraternais entre si e sempre condenaram
quaisquer ataques que ocorriam fora do Brasil.
Por tudo
isto que relatei acima, eu não tenho nada contra qualquer uma das duas
culturas, porque todas as duas são riquíssimas e maravilhosas.
Porém, eu
não posso dizer que sou a favor do que os governos de Israel fazem aos
palestinos. E eu separo bem as coisas: governo de Israel e povo judaico. Ao
longo da minha vida eu fui tendo acesso a muita informação sobre a história da
criação do Estado de Israel. A fase inicial da história, que foi quando um
grupo sionista resolveu que precisava de um lugar no mundo para fundar o Estado
de Israel, é louvável. Isto aconteceu no final do século XIX e aos poucos este
movimento foi tomando vulto e também foi se descaracterizando, principalmente
quando começou a tomar forma a criação do Estado de Israel na Palestina. Quem
quiser saber com detalhes, que busque em livros, principalmente os de origem
judaica (sim, de origem judaica!), porque são as melhores fontes de informação
sobre isto. Os anos que antecedem o reconhecimento do Estado de Israel pela ONU
já eram um prenúncio do que se agravaria de lá para cá. No Chile há a maior
comunidade de palestinos do mundo fora da região original, e eles fugiram das
perseguições que sofreram lá na Palestina ainda naquela época.
Por um
lado, o Estado de Israel é um local que agrada a turistas e enche de orgulho a
própria comunidade judaica, além de ser um local de excelência tecnológica e de
pesquisa. Por outro lado, não há como negar que os sucessivos governos
sionistas (todos os governos de Israel foram e são formados por sionistas,
primariamente pelos de inclinação à esquerda e mais tarde pelos de inclinação à
direita) desenvolveram uma atividade na Palestina que foi agregando territórios
por meio de guerras, coerções, expulsões e perseguições, o que causou reações
ao longo das mais de 7 décadas de presença ali naquela região.
Em outras
palavras, o governo de Israel sempre exerceu uma ação opressiva sobre quem já
morava ali. As pessoas que ali viviam não estavam em conflito com ninguém, nem
mesmo com os judeus que ali já moravam bem antes da intenção de se criar o
Estado de Israel. Grupos como OLP e Hamas nascem desta opressão e suas
atividades (por mais que sejam condenáveis aos olhos de quem observa tudo
aquilo) deveriam ser analisadas tendo por base o que o governo de Israel fez e faz
ao povo palestino. Não há nada que justifique os atuais ataques de Israel ao
povo palestino, principalmente quando sabemos que Israel tem uma das mais
fortes organizações de espionagem do mundo, o Mossad. O Mossad tem condições e
autoridade de sobra para investigar e resolver qualquer problema relacionado com
ataques a qualquer membro da população de Israel. Portanto, os ataques de
Israel ao povo palestino não são contra o Hamas e sim, contra o povo palestino,
contra civis, contra homens, mulheres, idosos e crianças palestinas. O Hamas está
sendo usado como uma desculpa para o governo de Israel atacar sem piedade o
povo palestino que não tem como se defender e nem como subsistir diante da
escalada de bombardeios. E chega a ser revoltante que os EUA ofereçam apoio com
armas e dinheiro ao governo de Israel para realizar tais ataques covardes. E a
coisa fica pior quando o atual governo de Israel clama questões religiosas para
justificar seus ataques. Isto é muito vil!
O povo
judeu, que já passou por tantas perseguições ao longo de sua história e
recentemente viu isto se materializar na Segunda Guerra Mundial, não merece ser
visto como alguém que dizima uma população, que cerca uma região com muros e encurrala
os palestinos com ataques covardes. O povo palestino não merece passar para a
história como o povo que foi dizimado por nada. O mundo não merece que tal
coisa ainda ocorra. E tem sido muito difícil para judeus e palestinos espalhados
por todo o mundo ficarem em paz e promoverem a paz dentro de seus grupos,
principalmente com um noticiário que tende a justificar e apoiar os ataques do
governo de Israel, mesmo que as imagens e a razão não estejam ao lado do
governo de Israel.
Fico
ainda mais triste porque os governos do mundo parecem inertes, como se não
vissem o que acontece. Querem que haja cessar-fogo para que se criem corredores
de fuga do povo palestino (o que é inteligível), mas esquecem que estes
corredores de fuga servem apenas para esvaziar os territórios palestinos que
ainda restam. Ou seja, no final das contas o governo de Israel ficará com toda
a Palestina ocupada e transformada em um Estado de Israel. O certo seria o
cessar-fogo imediato com a devida mediação mundial. Mediação mundial que deve
sim levar em conta que o governo de Israel tem sido voraz na tomada de
territórios que pertencem ao povo palestino.
É por
isto que eu estou ao lado dos palestinos e não do governo de Israel. E estou ao
lado de todos os judeus que também condenam a ação do governo de Israel. O povo
semita (formado por judeus e por todos os povos que nós informalmente chamamos
de árabes) não merece ser condenado por algo que é puramente um ataque covarde
de um governo a uma população. A
contribuição do povo semita à cultura do Ocidente é riquíssima e afeta até nós,
os brasileiros.
Acredito
que com este texto eu consigo mostrar ao lado de quem eu estou e como o governo
de Israel tem em suas mãos capacidade para resolver seus problemas com o Hamas
sem bombardear civis. Sei que é um assunto delicado, mas sei também que o
desdobrar das ações do governo de Israel poderão trazer problemas ainda mais
sérios para todos nós.
E eu sou
Marco Menezes, meus caros viajantes das estrelas!