Sobre Marco Menezes

Trabalho, basicamente, com Tarot, Reiki, Numerologia e Astrologia. Sou formado em Farmácia pela UFRJ e lido com óleos essenciais, participei de workshops de florais com os principais co-criadores. Atualmente atendo somente online: via WhatsApp, Telegram ou Skype. Se deseja atendimento comigo entre em contato usando o e-mail: marcomenezesbrrj1@gmail.com .Este blog é apenas uma maneira de ver o mundo que nos cerca, com todas as nuances que for possível vê-lo. Sinta-se à vontade, mas respeite o espaço! ;)
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13 maio 2024

Sobre as enchentes na região metropolitana de Porto Alegre.

O texto abaixo foi publicado no Telegraph pelo Professor Thiago Espíndula, a partir de trechos extraídos de estudo publicado pela UFRGS. Não há nenhuma intenção de minimizar o que está acontecendo no Rio Grande do Sul, mas serve como análise dos motivos que levaram ao problema e serve como um alerta para entendermos como os prefeitos e governadores do Brasil estão conduzindo suas políticas em seus municípios e seus Estados. Não estou dizendo que os prefeitos e governadores não estão fazendo o que há de melhor pelos locais que são responsáveis, mas sim que cabe ao povo aprender a se informar sobre a administração dos locais onde vivem e, consequentemente, exigir ações, porque é o povo quem realmente sofre as consequências de uma má administração ou desfruta dos benefícios de uma boa administração. 

Deixo aqui o link para quem deseja repassar:  https://telegra.ph/Sobre-as-enchentes-na-regi%C3%A3o-metropolitana-de-Porto-Alegre-05-11

E também o link do trabalho original: https://www.ufrgs.br/iph/wp-content/uploads/2024/05/NT-CHEIA-2024-GESPLA_VF.pdf

 

Sobre as enchentes na região metropolitana de Porto Alegre.

Algumas pessoas que acompanham meu trabalho na rede tem me perguntado a respeito dos desastres que tem ocorrido no Rio Grande do Sul. Como é um tema que foge do escopo do meu trabalho na rede, prefiro indicar um texto especializado sobre o assunto.

Para responder às dúvidas, indico a leitura dos trechos que extraí de recente nota técnica publicada pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (e o texto na íntegra pode ser encontrado no site do instituto), trabalho intitulado "A cheia de 2024 no estado do Rio Grande do Sul e as linhas de ação para a resiliência contra eventos extremos" (publicado no dia 9 de Maio de 2024).


A seguir, trechos do relatório que ajudam a compreender as enchentes na região metropolitana.

"O desastre de grandes proporções que ainda se desenvolve no Rio Grande do Sul impactou, até o momento (9 de maio de 2024), 425 dos 497 municípios, deixou mais de 163 mil desabrigados, mais de 67 mil em abrigos, cerca de 100 mortos, 128 desaparecidos e mais de 1 milhão de pessoas sem água potável. O desastre envolve a interação de três dimensões. Uma primeira, de natureza meteorológica, combinou efeitos do El Niño, zona de baixas pressões, presença de calor e umidade, que contribuiram para bloquear frentes frias e concentrar áreas de instabilidade sobre o estado, resultando em grandes acumulados de chuva. Segundo acompanhamento do INMET, essas condições já vinham se desenvolvendo no estado desde o início do ano. Uma segunda, de natureza geomorfológica/hidrológica, combinou a afluência dos rios Jacuí, Taquari e Caí. Esses rios nascem e escoam por regiões mais altas, em terreno montanhoso, de formação basáltica, onde a declividade é maior (Zanandrea et al, 2023). São também regiões mais susceptíveis aos deslizamentos e movimentos de massas que transportam sedimentos para a água e aumentam a turbidez. É um conjunto de características que faz com que chuvas provoquem rápidas respostas de escoamento. Ao se aproximarem da região metropolitana de Porto Alegre, os rios fluem por uma região mais plana, com áreas inundáveis. A água, que vem escoando de forma rápida, perde velocidade ao extravasar para essas planícies. A combinação das dimensões meteorológicas e geomorfológicas/hidrológicas traz a possibilidade de ocorrência de cheias de grandes proporções, como a que estamos enfrentando agora. Entretanto, é a presença de uma terceira dimensão, a antrópica, que transforma a cheia, um evento natural e de ocorrência periódica, em um desastre. As planícies de inundação dos rios Jacuí, Taquari e Caí, Sinos e Gravataí são bastante ocupadas. A população no entorno do Guaíba e delta do Jacuí aumentou de aproximadamente 995 mil (1970) para mais de 2 milhões em 2020. Boa parte dessa ampliação com edificações e habitações ocupando área de perigo de inundação (Reckziegel et al, 2019), a exemplo da dinâmica de mudança no uso do solo em Porto Alegre e Eldorado, além de outros municípios na região. Para mitigar o risco, a estratégia historicamente adotada enfocou a implementação de medidas estruturais (como diques e muros), complementadas mais recentemente por medidas não estruturais (sistemas de alerta, monitoramento e regulamentação no uso do solo). 

Temos no Brasil limitações generalizadas na capacidade de operar e manter infraestrutura hídrica, seja de armazenamento de água (barragens) ou de proteção contra cheias. A cidade de Porto Alegre conta com um Sistema de Proteção Contra Cheias composto por 17,8 km de diques internos; 26,4 km de diques externos (incluindo o Muro da Mauá); 14 comportas; e 23 casas de bombas. O muro representa cerca de 6% da extensão total dos diques de proteção. Construído entre 1971 e 1974, com base no nível da cheia de 1941, o Muro da Mauá é responsável por proteger alguns dos principais equipamentos públicos da área central, como a Prefeitura, o prédio dos Correios e Telégrafos, a Secretaria da Fazenda do Estado, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul, entre outros. Durante a cheia de 2024, o nível de água no Guaíba atingiu a cota máxima de 5,33m (a cota do topo do Muro é de 6,0m), permanecendo ainda acima da cota de inundação (3,0m) por vários dias. Nesse intervalo de tempo foram vários relatos de vazamentos pelas comportas do sistema de proteção e falhas em casas de bombas, em grande parte atribuídos à falta de preparo para emergências e à manutenção deficitária. Umas das comportas chegou a romper, o que combinado com a entrada de água por outras comportas e a paralização de uma das estações de bombeamento de água pluvial (EBAP) levou à inundação de várias regiões no centro da cidade e bairros próximos.

Um segundo exemplo inclui o Sistema de Controle de Enchentes no Vale do Rio do Sinos (SCEVRS), construído a partir de 1974 (após uma enchente severa em 1965) e composto por 20 km de diques, sistema para a drenagem dos pôlderes através de valas, cursos fluviais retificados e canalizados, além de casas de bombas e sifões para as travessias. Hoje esse sistema protege as cidades de São Leopoldo e Novo Hamburgo. Penteado et al (2012) realizaram trabalho de identificação de falhas e danos no SCEVRS em 2010, em São Leopoldo, e verificaram vários fatores de risco associados à manutenção, incluindo a ocorrência de erosão ao longo do percurso dos diques devido ao tráfego de pessoas e veículos, presença de vegetação arbustiva, construção de moradias irregulares em bermas de equilíbrio e construção de rampas com corte de taludes, que removem parte da massa do dique e contribuem para o seu enfraquecimento. Outras dificuldades associadas à manutenção das Valas de Macrodrenagem são causadas pela presença de moradias irregulares em faixas de domínio e áreas destinadas ao trânsito de equipamentos. Mais de 10 anos depois, uma visita técnica de equipe do IPH/UFRGS durante a elaboração de trabalho para o Plano Diretor de Drenagem Urbana de São Leopoldo constatou que vários desses problemas persistem, especialmente a presença de moradias irregulares e danos aos diques (erosão, escavação de rampas e presença de vegetação). Em seu Plano Municipal de Saneamento Básico, o município de Novo Hamburgo também identificou pontos de alagamentos, erosão e deslizamentos ainda carentes de soluções estruturais de micro e macrodrenagem. Durante a cheia de 2024 houve rompimento de um trecho do dique que pertence ao SCEVRS (próximo à Casa de Bombas do bairro Vicentina), alagando três bairros que receberam alerta para evacuação.

Esses exemplos mostram que soluções definitivas para o gerenciamento e manutenção da infraestrutura ainda carecem de sustentabilidade financeira. No contexto dos municípios, e do estado, os seguintes pontos podem contribuir:

* Atualizar avaliação dos custos e benefícios proporcionados pela infraestrutura de proteção contra cheias e comunicação desses benefícios à população de forma regular;

* Elaborar e implementar mecanismos de financiamento, e exemplo de modelos tarifários, para esses custos, com vistas a dar sustentabilidade e autonomia financeira aos sistemas de proteção. Depender de recursos externos, como o governo federal, para a manutenção de sistemas de proteção (Exemplo do SCEVRS em São Leopoldo) não é mais viável no contexto brasileiro atual. O modelo tarifário desenvolvido por equipe do IPH/UFRGS para o município de São Leopoldo em 2022 é um exemplo.

A resistência da população a novos modelos de tarifas e cobrança já é percebida pela administração dos municípios. Entretanto, é preciso comunicar de forma mais clara que a população já paga um custo muito mais alto, na forma de danos e prejuízos, quando os sistemas falham. Serviços de drenagem urbana e proteção contra cheias são notoriamente mal financiados ao nível dos municípios brasileiros, o que mascara o verdadeiro custo dos sistemas. Cada R$ não gasto com a operação e manutenção adequada desses sistemas implica em vários R$ gastos posteriormente para reconstruir casas e patrimônio perdido. 

Dados são essenciais para a resposta rápida num evento climático extremo. Para antecipar eventos críticos é necessário investir na coleta de dados, modelos de previsão e sistemas de alerta. Os Municípios podem colaborar com o monitoramento mais detalhado (hidrometeorológico e de qualidade da água) e trabalho conjunto com órgãos de estado e institutos de pesquisa para repasse de dados e informações. Estes irão contribuir para a evolução contínua em modelos de previsão e escoamento, que se mostraram extremamente úteis no monitoramento e alerta durante cheia de 2024. Em trabalho recentemente financiado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) foi determinado que cada R$1 investido em coleta de dados hidrometeorológicos para sistemas de alerta Hidrológico (SAH) pode evitar perdas de até R$661 a médio prazo (Brasil, 2024b).

Finalmente, para que essas ferramentas sejam efetivas na comunicação com a população, é crucial implementar planos de ação em escalas municipal, estadual e de bacia hidrográfica. Cabem ainda melhorias na Defesa Civil, treinamento da população e rapidez na manutenção ou substituição de infraestruturas danificadas após o evento.


Estratégias para implementação das soluções que já conhecemos

Apesar de termos muita informação útil, como mapas de inundação, planos de bacia, de drenagem, listas de medidas e ações para os mais diferentes contextos, faltam instrumentos de gestão para conectar as informações e implementar as soluções na prática. Ao nível dos municípios e estado são necessárias estratégias para viabilizar a implementação dessas ações. Isso significa:

* Criar novas soluções para investimento e financiamento de medidas, usando instrumentos econômicos de gestão ambiental e de recursos hídricos;

* Criar soluções no âmbito legal para tornar planos vinculantes;

* Ampliar a atuação de consórcios municipais, que podem prestar apoio técnico e executivo para implementação de ações integradas no contexto das bacias hidrográficas;

* Criar procedimentos para a definição de diretrizes para planos de proteção contra cheia em municípios, tendo planos de bacia hidrográfica como instrumento de referência;

* Dar mais agilidade no uso de recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos do estado (FHIDRO), na forma de ações coordenadas entre secretarias de estado e aquelas já previstas nos planos de bacia hidrográfica;

* Promover maior integração entre os instrumentos das políticas de recursos hídricos, saneamento e meio ambiente;

* Estabelecer padrões e critérios de avaliação na implementação dos planos (gerenciamento) com penalidades e mecanismos de incentivo."