Sobre Marco Menezes

Trabalho, basicamente, com Tarot, Reiki, Numerologia e Astrologia. Sou formado em Farmácia pela UFRJ e lido com óleos essenciais, participei de workshops de florais com os principais co-criadores. Atualmente atendo somente online: via Telegram ou Skype. Este blog é apenas uma maneira de ver o mundo que nos cerca, com todas as nuances que for possível vê-lo. Sinta-se à vontade, mas respeite o espaço! ;)

25 abril 2020

Sobre hubris, Éris, Nêmesis e Moiras ou como o orgulho pode ser ruim


Sobre hubris, Éris, Nêmesis e Moiras 
ou 
como o orgulho pode ser ruim

por Marco Antonio H. de Menezes

Entoa o coro grego a parte que lhe cabe neste latifúndio!!



Era uma vez um ser (alguns dizem que era um daimon, outros que era uma deusa, mas deixemos isto para os estudiosos e prossigamos com a nossa história) chamado Éris. Éris estava muito chateada porque não havia sido convidada para o casamento de Peleu e Tétis. Todo o Olimpo havia sido convidado e ela não. Por quê? Só porque ela sempre dá um jeito de gerar uma discussão, uma discórdia? Pois bem, ela chegou no momento mais brilhante da festa e botou banca cantarolando: “Não me convidaram pra essa festa pobre que os deuses armaram pra me convencer a pagar sem ver toda essa droga que já vem malhada antes de eu nascer”. Claro que ela chamou a atenção e deixou a todos sem graça. Aí, sem cerimônia, ela afastou o bolo dedicado aos recém-casados e colocou sobre a mesa uma maça dourada, o pomo da discórdia. Na maçã havia uma inscrição: kallisti ou “à mais bela”. Isto causou um burburinho. A qual deusa ela estava se referindo: Atena, Afrodite ou Hera? A decisão ficaria, segundo a vontade expressa do grande deus Zeus, por conta de Príamo, o rei de Tróia, mas como ele já estava velho demais (e não queria se indispor com as três deusas), ele preferiu conceder a Páris, seu filho, tal empreitada. E aí a corrupção rolou solta na festa de casamento que agora virava uma espécie de Domingão do Faustão para saber como Páris iria se virar para se decidir. Atena prometeu que o tornaria uma pessoa hábil para batalhas e com sabedoria inigualável. Hera prometeu conceder a ele grande poder político e o poder de ser o rei mais forte de todos os tempos. Coube a Afrodite prometer a mais bela de todas as mulheres: Helena, que, por um acaso, era casada com Menelau, o rei de Esparta. Bem, Páris, que era um cara muito simplório, afinal, apesar de ser príncipe e filho do rei de Tróia, era pastor de um rebanho. Ele coçou a cabeça, olhou para todos, não havia estudantes para ele consultar e nem amigos para quem perguntar. Todos fizeram aquele ar de “o problema é teu, meu amigo? Se vira nos 30!”. Bem, a decisão dele foi pela oferta de Afrodite a quem ele concedeu o pomo de ouro de a mais bela. Bem, o resto é lenda de guerra. Mas para quem chegou atrasado: Páris escolheu Afrodite como a mais bela e ela ganhou o pomo de ouro ou pomo da discórdia oferecido por Éris como troco por não ter sido convidada para o casamento entre Peleu e Tétis (um casamento que dizem ter sido arranjado, mas aí deixo as fofocas para as àgoras gregas). Enciumadas pela escolha de Páris, as duas deusas vencidas, Hera e Atena, decidem jogar os gregos contra Tróia por conta do rapto de Helena, casada com o rei espartano Menelau, por Páris. Todo mundo já sabe, graças às àgoras gregas, que Tróia foi derrotada graças a um cavalo de madeira infiltrado no coração dos orgulhosos troianos, que se achavam invencíveis, apesar dos apelos de Cassandra, que vivia consultando os deuses mais politizados da época.

Vocês pensam que esta é só uma história que tem como grande protagonista a simpática Éris?

Não é bem assim! É fato que Éris gerou a discórdia, dividindo o povo entre os que defendiam as mortadelas e os que defendiam as coxinhas. Mas há muito mais por trás desta deliciosa história.

Corria o ano de 2016 e no simpático dia 21 de abril daquele ano, às 6:53, horário de Brasília, era acesa em Olímpia (Grécia) a tocha olímpica que iria percorrer várias cidades até chegar ao Rio de Janeiro, onde ocorreriam os Jogos Olímpicos daquele ano. No mesmo dia, na muy heroica e gloriosa cidade do Rio de Janeiro, por volta de 11:10 da manhã, duas pessoas morrem enquanto passeavam pela ciclovia Tim Maia, recém-inaugurada. A ciclovia desabou! Naquele dia eu tive o pressentimento de que a deusa Nêmesis estava começando a chegar ao país ou estava começando a atuar no país.

Nêmesis era uma daquelas deusas que dizem que era irmã de Éris, por parte de Nyx, mas há quem diga que não é bem assim. E se há controvérsias, pode haver discórdia e pode gerar vingança. Se Éris semeia discórdia, Nêmesis é a geradora da vingança. Mas vamos explicar bem esta história. Para os gregos, Nêmesis era o nome de uma deusa que vivia no Olimpo e que se assemelhava a muitas das deusas ali existentes, mas o seu papel era de trazer a vingança divina. Uma vingança que visava equilibrar excessos. Ela trazia felicidade ou tristeza conforme o momento. Ela foi responsável pela vitória dos gregos contra os persas. Ela foi responsável pelo castigo a Narciso por ele se achar o “lindão” da vez. Nêmesis aparece sempre para equilibrar o excesso de felicidade, o orgulho e a vaidade excessiva, por exemplo. Ela é considerada a inevitável. Demore o tempo que for, Nêmesis aparecerá para, segundo os gregos, nivelar tudo o que ultrapassou os limites, geralmente ela desencadeia uma situação que parecerá uma vingança aos olhos de quem está no meio da trama. Existe um ponto em que a história de Nêmesis e Éris se encontram: Tróia. Um dia, Zeus, o poderoso chefão de todos os deuses do Olimpo, encantou-se por Nêmesis. Nêmesis resolveu tentar escapar do tarado deus transformando-se numa gansa, mas Zeus, imediatamente, transformou-se num cisne e fez a festa! Desta união nasceu um ovo, que foi abandonado por Nêmesis e que foi achado por pastores que entregaram a Leda que havia transado com Zeus (ele traçava o condomínio inteiro, talvez mais do que o filho de uns e outros!). Leda já possuía dois ovos (sim, a rainha de Esparta tinha sido fecundada por Zeus na forma de cisne), mas sempre cabe mais um no coração de uma mãe e então ela cuidou de mais aquele ovo. Pois bem, daquele ovo nasceu Helena, que viria a ser a esposa de Menelau, que seria raptada por Páris e que desencadearia a guerra responsável pela destruição da orgulhosa Tróia. Nêmesis e Éris fizeram as suas partes nesta história. Nêmesis executou uma vingança divina que atingiria Tróia (a cidade que se considerava invencível), graças ao pomo da discórdia trazido por Éris. Juntas, as duas deram vez às Moiras, as senhoras do destino.

Éris, Nêmesis e as Moiras atuaram, no caso de Tróia, como agentes relacionadas a um problema maior: húbris ou hybris.

Húbris é o nome grego (eles são danados, né?!) para tudo o que passa dos limites, do equilíbrio. É um termo associado ao orgulho, à vaidade, à confiança que passaram a ser excessivos. Pense na arrogância, numa pessoa presunçosa e/ou insolente. Sabe aquela pessoa “que se acha”? Pois é! Pela visão dos gregos, seria aquela pessoa que se acha maior do que os deuses, que não sabe baixar a bola, que “anda de salto alto” o tempo todo. Toda pessoa que perdeu a noção dos limites acaba sendo, de alguma maneira, atingida pelos deuses por húbris. A pessoa perde o controle dos impulsos, perde a noção dos limites, não respeita o espaço alheio, deixa que as paixões (quaisquer que sejam) atinjam níveis violentos. Dizem que os deuses, quando viam alguém ofendendo-os com os seus excessos, condenavam a pessoa à loucura. Húbris é um descaso de uma pessoa por quem quer que seja (seres humanos, deuses e tudo o que o rodeia), pois ela acredita que pode fazer o que bem quiser, sem medir consequências. Húbris acomete a todos os que querem mais do que o destino (representado pelas Moiras) lhes concede. Os deuses usariam da vingança divina (Nêmesis) como forma de fazer com que as pessoas acometidas por húbris voltassem ao equilíbrio.

Há outra deusa chamada Ate ou Até, que é responsável por chamar a atenção dos indivíduos que ultrapassavam os limites. Ela era representada por uma ave que pousava sobre a cabeça das pessoas alertando-as de que haviam perdido a razão, de que estavam se deixando levar pelo orgulho desmedido ou por algum excesso que lhes custaria caro. Assim, quando uma pessoa começava a expressar húbris, Nêmesis era ativada por conta do ciúme divino e isto levaria ao aparecimento de Ate, que traria a cegueira da razão, para ver se a pessoa respeitava moira, ou seja, o destino que lhe cabia. Qualquer coisa que passa dos limites, da moderação, do equilíbrio e que ofende os deuses ou que representa a vontade do indivíduo para ultrapassar o que lhe cabe por destino, pode ser o gatilho para que Éris traga a discórdia. Húbris não atinge só homens, podendo atingir os deuses, que também sofrerão as consequências. Olhem para a história do casamento para o qual Éris não foi convidada e tudo ali e partir dali nos leva a refletir sobre húbris.

E isto tem alguma relação com a história atual do Brasil?

Claro!

Eduardo Paes, como o, então, prefeito da muy heroica e gloriosa cidade do Rio de Janeiro, achava que poderia fazer o que bem quisesse usando os jogos olímpicos como desculpa. Deputados e senadores achavam que poderiam ganhar muito com a promoção da Copa do Mundo, um pouco antes. Políticos, partidos e empresários pensavam que poderiam ganhar muito usando aqueles eventos esportivos como desculpa. Pessoas que eram contra (ou posavam como sendo do contra) pensavam que poderiam destruir toda uma estrutura política e angariar proveitos políticos e demais benesses junto aos eleitores, sem que precisassem fazer muito a favor deles.  Foi um jogo de interesses que, sejamos sinceros, não começou ali com os diversos eventos esportivos. Tudo já vinha se arrastando desde que os militares resolveram que não poderiam mais arcar com as dívidas monumentais que eles mesmos haviam contraído a partir de 1964. O endividamento do país envolvia centenas de bancos estrangeiros, então ficava mais fácil transferir a conta para os civis. Os militares sabiam que os civis brigariam entre si para ter acesso ao comando do país, assim como sabiam que eles teriam dificuldade para lidar com todos os erros e excessos cometidos durante o período militar. E tudo desaguou no atual governo presidencial aonde uma pessoa (não importam os motivos e quem está por trás desta pessoa), está se deixando levar por húbris. Nêmesis agirá (ou já age!) em algum momento e Ate pousará (se já não pousou), conduzindo à cegueira e à loucura, para ver se a pessoa volta ao equilíbrio. Se ela não voltar ao equilíbrio, ela será devorada por sua própria loucura. E não se enganem, nenhuma das pessoas ao seu redor está menos acometida por húbris. Todas estão! Inclusive as que foram afastadas ou se afastaram do poder! Todos ultrapassaram seus limites e, por mais que posem de heróis, na verdade estão apenas agindo como aves de rapina que almejam o lugar máximo ou estar ao redor deste lugar máximo, porque se consideram mais poderosos e mais capazes do que o resto do mundo que os cerca. O orgulho excessivo e a vaidade excessiva os levarão ao mesmo caminho da perdição, não importa o quanto se ajoelhem diante de algum altar. Eles plantaram a discórdia, deram vez e voz a ela, escolheram a proposta que os levará a uma guerra e se acreditam invencíveis em suas posições. Todos sofrem de húbris, e estão sob a mira de Nêmesis e com Ate sobre suas cabeças. As Moiras não param de chamá-los de volta para os seus destinos, mas a todo momento eles se sentem mais e mais atraídos pelo pomo de ouro trazido por Éris que eles mesmos convidaram para cear com eles.

Esta tragédia grega não terá um fim alegre, mas possui uma lição, com toda certeza.

Agora que o coro grego cantou a sua parte no intervalo, arrumem-se neste anfiteatro porque a peça recomeçará em instantes. Muitas surpresas nos aguardam até o fim desta tragicomédia. Espero que você esteja entre os sobreviventes após o término dela. Nos veremos mais tarde!

 A imagem acima é peça de divulgação do filme Advogado do Diabo. Não sei a autoria da arte, mas aparece a marca "ultrad.com.br" no canto direito superior. Na arte vemos os atores Al Pacino e Keanu Reeves.

Um comentário:

  1. Muito bom seu texto, amigo! Triste realidade, que voce coloca com toda criatividade que lhe e caracteristica!

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